Todas as semanas, mais de meio milhão de homens, mulheres, gestantes, idosos e crianças têm de passar por um humilhante processo de revista para visitarem seus familiares nos presídios brasileiros. Essas pessoas são obrigadas a tirar a roupa, a agachar diversas vezes e a se submeter a uma revista de seus órgãos genitais.
As justificativas para essa violação são vazias: a quantidade de armas, drogas e celulares encontrada com os visitantes durante os procedimentos de revista é ínfima se comparada com as apreensões realizadas dentro das unidades. Isso mostra que a maioria dos objetos ilícitos encontrados com os presos não entra com os familiares.
Além disso, já há métodos mais eficientes e menos invasivos para garantir a segurança das unidades prisionais e a integridade dos visitantes, como detectores de metais e scanners corporais.
10 perguntas para entender
- O que é a revista vexatória?
É um procedimento realizado em familiares de presos em dias de visita. Mulheres, homens, gestantes, idosos e crianças são obrigados a tirar a roupa e a agachar diversas vezes, frequentemente sobre um espelho. Seus órgãos genitais são revistados diante de agentes penitenciários e de outros visitantes sem qualquer cuidado de higiene e sem respeito aos padrões mínimos de saúde, expondo o visitante ao risco de doenças transmissíveis. Muitas vítimas também relatam agressões verbais por parte dos funcionários do presídio.
- Por que ela ocorre?
A revista vexatória foi implantada nos presídios brasileiros sob a justificativa de impedir a entrada de objetos não permitidos, como armas, drogas e celulares. O familiar é visto como um suspeito por ser parente de uma pessoas presa – o que por si só já representa uma humilhação e uma violação à dignidade dessas pessoas.
- Quem são os responsáveis por essa prática?
O Poder Executivo dos estados: os governadores e demais autoridades responsáveis pela administração penitenciária.
- O fim da revista vexatória gerará um caos no sistema prisional?
Não. Como mostra recente levantamento realizado pela Rede Justiça Criminal, a apreensão de objetos proibidos com familiares é 4 vezes menor que a quantidade de celulares, armas e drogas encontrados com os presos. No estado de São Paulo, por exemplo, são encontrados objetos proibidos em apenas 0,03% dos casos, ou seja, 3 objetos ilícitos a cada 10 mil procedimentos de revista.
Experiências como de Goiânia, Espírito Santo e Joinville, que chegaram a proibir o procedimento, mostram que não houve distúrbios relacionados com o fim da revista.
- O que pode ser usado para substituir a revista manual?
Existem diversas alternativas à revista manual. Equipamentos eletrônicos como detectores de metais, scanners corporais e aparelhos de raio-x podem ser usados, ainda que dentro de limites de exposição a radiação.
Também é possível mudar a dinâmica e o local onde as visitas acontecem. A interação entre presos e familiares poderia se dar, por exemplo, em ambiente próprio afastado das celas e espaços de convivência dos presos.
Além disso, é essencial combater toda forma de corrupção, que muitas vezes acaba facilitando a entrada de armas, drogas e celulares.
- O que diz a lei?
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, garante o princípio da dignidade da pessoa humana. Já o artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, prevê que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante e que a intimidade é inviolável. O mesmo artigo assegura que a pena não passará da pessoa do condenado – não pode, portanto, ser estendida aos familiares.
O artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a proteção da dignidade da criança e do adolescente e sustenta que eles não devem ser submetidos a nenhum tipo de tratamento constrangedor ou vexatório. O artigo 41 da Lei de Execuções Penais, por sua vez, define a visita de companheiros, parentes e amigos como um direito do preso.
Há também uma resolução de 12 de julho de 2006 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que recomenda a utilização de equipamentos eletrônicos de revista em presídios e a preservação da honra e da dignidade da pessoa durante os processos manuais de revista.
- O que dizem os organismos internacionais?
O Brasil ratificou em 1989 a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes – o que obriga o País a seguir as recomendações internacionais sobre o tema.
Para o Relator Especial da ONU sobre Tortura, as revistas íntimas se caracterizarem como uma prática humilhante e degradante e até mesmo como agressão sexual ou tortura, quando conduzidas com uso de violência.
O Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, em seu relatório de 2012 sobre o Brasil, recomenda que “revistas intrusivas vaginais ou anais devem ser proibidas pela lei”.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por sua vez, garante o direito à integridade pessoal e o direito da proteção da honra e da dignidade. Com base nesses princípios, a Comissão Interamericana condenou em 1996 a Argentina em caso de revista vexatória de uma mulher e sua filha, uma adolescente de 13 anos.
- Como é o procedimento de revista em outros países?
Muitos países não adotam o procedimento e a segurança de seus presídios é mantida, perfeitamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, é proibido submeter os familiares à nudez durante a revista. Isso vale, inclusive, para os casos em que as companheiras dos presos passam a noite no presídio sem supervisão direta de guardas. Na Colômbia, a revista vexatória foi proibida pela Corte Constitucional. Mas, outros países, como a Argentina, ainda mantém a prática da revista vexatória.
- O que pode ser feito para acabar com a revista vexatória?
O Poder Legislativo pode aprovar um projeto de lei (PLS 480/2013) que proíba a revista vexatória em todo o País. O texto já existe e foi construído em conjunto entre o governo federal, agentes penitenciários, familiares de presos, secretários de segurança pública e entidades da sociedade civil. Você também pode pedir ao governador de seu estado que publique um decreto acabando com a prática.
- Existem canais de denúncia para vítimas de revista vexatória?
Sim. Deve-se procurar a Defensoria Pública ou o Ministério Público de seu estado. A Defensoria Pública de São Paulo já criou uma cartilha para orientar os visitantes sobre como realizar essa denúncia.
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