" DOE NA ALMA LER UM RELATO DESSES...
Heberson,
Nem sei como te dizer isso. Tateio pelas palavras certas há horas – elas me escapam. Claro que você já foi avisado e até leu no noticiário local, mas eu queria pedir desculpas. O governo do Estado do Amazonas questionou o valor da sua indenização. É, eles acham R$ 170 mil um valor muito alto pelos quase três anos em que você passou na cadeia, acusado de um estupro que não cometeu. Querem pechinchar pelo vírus HIV que infectou o seu corpo após os abusos sofridos atrás das grades. Seu sofrimento está “caro demais” para os cofres públicos. Como se algum dinheiro no mundo pudesse apagar o que você viveu.
Até hoje, como naquele dia em que te entrevistei, sinto minhas tripas se revirarem. Lembro de você contando que tinha 23 anos e trabalhava como ajudante de pedreiro na periferia de Manaus quando o crime aconteceu. Uma menina de nove anos, filha de vizinhos, havia sido arrastada para o quintal durante a noite e violentada. A família o acusou de tamanha brutalidade e a delegada expediu um mandado de prisão provisória para investigar o caso. Você, que não tinha antecedentes criminais. Você, que divergia completamente do retrato-falado. Você, que estava em outro lado da cidade naquele horário. Mas você é pobre, Heberson. Pobres são presas fáceis para “solucionar o caso” e atender o clamor popular. As vozes que te xingaram ainda ecoam?
“Eu morri quando me fizeram pagar pelo que não fiz”, você disse, me matando um pouco também sem saber. Em tese, por lei, você não poderia ficar mais de quatro meses aguardando julgamento na cadeia. Sua mãe, desesperada, pegou empréstimos para bancar advogados particulares. Mesmo sem comida em casa, a dor no estômago era por justiça. Não dava para contar com a escassa quantidade de defensores públicos no país (embora, depois, a doutora Ilmair Faria tenha salvo o seu destino). Enquanto ela se rebelava aqui fora, você se resignava com os constantes abusos sexuais de que era vítima. Alegar inocência sempre foi a sua única arma. De que forma lhe deram o diagnóstico de Aids?
Sabe, querido, eu gostaria de ter presenciado o parecer do juiz na audiência que demorou dois anos e sete meses para acontecer. Deve ter sido um discurso bonito. Juízes usam frases empoladas, especialmente para se desculpar em nome do Estado por um erro irreparável. Onde estava a sua cabeça no momento em que ele declarou que você estava “livre”? Porque eu me pergunto como alguém pode supor que liberta o outro de suas memórias, de suas dores, de sua desesperança, de uma doença incurável. Você continua preso. Tanto que passou anos sem conseguir emprego por causa do preconceito e perambulou pelas ruas sob o efeito de qualquer droga que anestesiasse a realidade. Livre para ser um morto-vivo.
Na sala do meu apartamento, há um troféu de direitos humanos que ganhei por trazer à tona sua história. Olho para ele e enxergo a minha impotência. E os ossos saltados da sua pele. Com vinte quilos a menos, as suas roupas parecem frouxas demais – quanto você perdeu além do peso corpóreo? Imagino se a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que negou o pedido da sua indenização, sabe das suas constantes internações decorrentes da baixa imunidade. Será que alguém abriu a porta da sua geladeira e descobriu que, muitas vezes, você passa um dia inteiro tendo se alimentado de um único ovo? Ou será que eles se restringem a documentos e números?
Não consigo deixar de pensar que você foi estuprado de novo. Pelas canetas reluzentes de quem toma essas decisões descabidas. Você levou sete anos para ressuscitar a sua determinação e cobrar os seus direitos. Em parte, motivado pelo apoio das 23 mil pessoas que aderiram a uma campanha virtual pela sua história. Toda semana recebo mensagens de gente querendo saber sua situação, se oferecendo para pagar uma cesta básica ou dar assistência jurídica. Recentemente, um professor criou um grupo que mobilizou mais de mil cidadãos para ajudá-lo até com despesas de medicamentos. Minha última pergunta (eu, que não tenho respostas) é: O que mais nós podemos fazer por você, já que o Estado não faz?
Que o meu abraço atravesse a geografia entre São Paulo e Manaus.
Sinto muito, querido.
Nathalia Ziemkiewicz
Homem preso injustamente luta por indenização após contrair HIV em estupro no presídio
Ele ficou três anos em um presídio de Manaus e nunca chegou a ser julgado
O ex-presidiário Heberson Lima de Oliveira, hoje com 30 anos, teve a juventude roubada por um erro da Justiça do Amazonas e luta para receber do Estado uma indenização depois de tudo o que passou. Preso em 2003 suspeito de estuprar uma menina de nove anos, ele ficou três anos atrás das grades até que teve a inocência provada. Isolado em uma cela destinada aos homens que cometeram crimes sexuais, ele foi estuprado pelos companheiros de cela e contraiu Aids, o que fez com que a liberdade chegasse de forma tardia para ele.
Heberson deixou a Unidade Prisional do Puraquequara, em Manaus, em 2006. Ele nunca foi julgado e nem condenado. Tudo só foi esclarecido durante uma visita ao presídio feita pela defensora pública Ilmair Siqueira. Ela conversou com o rapaz e acreditou na versão apresentada sobre os fatos. A garota foi abusada no bairro Nova Floresta, zona leste da capital. O pai da vítima acusou Heberson porque teria tido um desentendimento com ele.
A delegada pediu a prisão baseada na indicação do pai, mas a investigação feita depois apontou que outro homem cometeu o crime. As características do acusado eram outras. Sendo assim, o primeiro erro do processo foi cometido pela Polícia Civil, segundo a defensora. O segundo foi da Justiça por nunca ter julgado o caso durante os três anos em que o rapaz passou no presídio, sendo que a lei determina que a sentença seja dada em até 90 dias. Um relatório foi encaminhado a OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República pedindo atenção ao caso. A ação movida pela defensora desde 2011 pede uma indenização de cerca de R$ 170 mil, valor nunca pago porque o Estado considerou alto para o caso.
O ex-presidiário se tornou usuário de drogas dentro da detenção e, quando saiu, chegou a arrumar um trabalho, mas não conseguiu permanecer. Ele vive com a mãe, sustentados por uma pensão que ela recebe no valor de um salário mínimo.
O advogado João Batista do Nascimento assumiu de forma voluntária o caso de Heberson. Ele montou um grupo chamado ‘Pela dignidade de Heberson Oliveira’ e conseguiu tratamento psicológico e médico para o rapaz.
— Queremos uma indenização vitalícia para o Heberson. Tudo isso só aconteceu com ele porque ele é pobre. O Brasil está cheio de casos como esse, sem ter quem lute pelos direitos.
Quando terminar o tratamento para se livrar do vício de entorpecentes, Heberson vai voltar a estudar para concluir o ensino fundamental, médio e depois pretende cursar direito. Ele faz tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e, segundo o advogado, não tem condições de dar entrevista sobre o assunto.
Antes de ser preso, Heberson já tinha dois filhos que são criados pela mãe. Ele nunca ajudou financeiramente e tem pouco contato.
http://noticias.r7.com/cidades/homem-preso-injustamente-luta-por-indenizacao-apos-contrair-hiv-em-estupro-no-presidio-10012014
PETIÇÃO...
Justiça e Governo do Amazonas: Indenizem inocente que contraiu AIDS depois de 3 anos preso injustamente
- Abaixo-assinado porSão Paulo, Brazil
Em 2003, o ajudante de pedreiro Heberson Oliveira foi acusado de entrar numa casa na periferia de Manaus e estuprar uma criança no quintal. Ele foi para a cadeia, onde aguardou julgamento por três anos jurando inocência. O rapaz sem antecedentes criminais assistiu a rebeliões, entrou em depressão, foi abusado e contraiu o vírus HIV.
Até que uma defensora pública mostrou que não havia provas suficientes. O juiz concedeu a liberdade. Mas Heberson nunca mais seria um homem livre. 7 anos após a absolvição, ele segue desempregado pelo preconceito. Hoje cata latinhas nas ruas e consume drogas. “Eu morri quando me fizeram pagar pelo que não fiz”, diz Heberson aos 32 anos, que não toma o coquetel contra a Aids.
Heberson não entrou com um pedido de indenização contra o Estado. Perdeu a fé na Justiça e nenhum dinheiro amenizaria sua dor. Tudo o que ele quer é uma casa para os filhos e um emprego que lhe devolva a dignidade. Heberson está livre da cadeia, mas preso ao passado.
*Relatório da ONU mostrou que, dos 550 mil presos no Brasil, 217 mil aguardam julgamento. Por lei, eles não poderiam ficar mais de 120 dias na cadeia, mas passam meses ou anos, sem que um juiz determine a culpa ou a inocência.
Soube do caso de Heberson porque sou jornalista e escrevi uma reportagempara a ISTOÉ. Fiquei indignada por essa vida roubada graças a arbitrariedades cometidas pelo Estado. Quis devolver esperança a ele e mostrar que mais gente se importa.
Para:
Desembargador Ari Jorge Moutinho da Costa, Presidente - Tribunal de Justiça do Amazonas
José Eduardo Cardozo, Ministro da Justiça
Omar Aziz, Governador do Amazonas
Frederico de Sousa Marinho Mendes, Secretário-Executivo do Gabinete de Gestão Integrada
Coronel PM Louismar de Matos Bonates, Secretário-executivo de Justiça e Direitos Humanos - Amazonas
Arthur Virgílio, Prefeito de Manaus
Desembargador Ari Jorge Moutinho da Costa, Presidente - Tribunal de Justiça do Amazonas
José Eduardo Cardozo, Ministro da Justiça
Omar Aziz, Governador do Amazonas
Frederico de Sousa Marinho Mendes, Secretário-Executivo do Gabinete de Gestão Integrada
Coronel PM Louismar de Matos Bonates, Secretário-executivo de Justiça e Direitos Humanos - Amazonas
Arthur Virgílio, Prefeito de Manaus
Indenize inocente que, depois de 3 anos na cadeia, contraiu o vírus da AIDS
Atenciosamente,
[Seu nome]
[Seu nome]
http://www.change.org/pt-BR/peti%C3%A7%C3%B5es/justi%C3%A7a-e-governo-do-amazonas-indenizem-inocente-que-contraiu-aids-depois-de-3-anos-preso-injustamente