Síria hoje, e EUA há 150 anos: Eleições em tempo de guerra civil
"O mais provável é que, em 2014, Bashar al-Assad seja reeleito presidente da República Árabe Síria. A história síria o recordará para sempre, como governante civilizado e herói do seu povo."(15/9/2013, "Uma breve história da guerra dos EUA contra a Síria: 2006-2014",
Moon of Alabama, trad. em
http://goo.gl/Cn34Ns )
A Síria terá eleições presidenciais dia 3 de junho. A imprensa-empresa ocidental 'midiática' zomba da ideia de haver eleições em tempo de guerra civil que já fez mais de 100 mil vítimas, entre mortos e refugiados.
Toda a imprensa-empresa já se prepara para pôr-se a tentar desqualificar o resultado - que, como tantos sírios desejam e esperam, mostrará Bashar al-Assad reeleito.
Curioso, nisso, é que tantos jornalistas e 'especialistas' midiáticos norte-americanos esqueçam parte tão importante da própria história dos EUA.
Há 150 anos, em 1864, os EUA fizeram uma eleição presidencial, apesar de estarem mergulhados, há três anos, numa muito sangrenta guerra civil.
Abraham Lincoln governava os EUA e enfrentava batalha cruel contra uma insurgência armada interna. Lincoln, membro do recém constituído Partido Republicano, fora eleito com plataforma em que se comprometia a conter e pôr fim à expansão da escravidão. Em 1861, os ricos proprietários de escravos do sul dos EUA armaram-se em guerra contra o governo federal, na esperança de preservarem para eles o direito de propriedade sobre milhões de escravos que consideravam "propriedade privada" deles.
No processo da guerra, Lincoln foi forçado a relutantemente abolir a escravatura, primeiro com a Proclamação de Emancipação, depois com Emendas à Constituição dos EUA. A Guerra Civil foi, realmente, a Segunda Revolução Americana, que mudou completamente o contexto econômico dos EUA. Os capitalistas industriais dos EUA do Norte, com apoio de sindicatos, bem amados guerrilheiros antiescravidão como Frederick Douglas, e escravos rebeldes armados como Harriet Tubman, esmagaram a escravocracia dos EUA do Sul. No processo, foram mortos 750 mil soldados, e o número de civis norte-americanos mortos não é conhecido até hoje.
Os dois lados acusaram-se mutuamente de brutais crimes de guerra - os EUA do Norte usaram até a fome, como arma, contra os EUA do Sul -, tortura e assassinato de civis.
Enquanto a maioria dos EUA do Norte apoiava o governo eleito de Lincoln na luta contra a Confederação dos Proprietários de Escravos dos EUA do Sul, a cidade de Nova York abrigava um poderoso núcleo de militantes pró-escravatura, porque Wall Street, até hoje centro do sistema capitalista mundial, estava fazendo milhões de dólares com as empresas financeiras do comércio escravista. E muitos ricos capitalistas britânicos e conhecidos políticos, como William Gladstone, também apoiavam os insurgentes pró-escravatura dos EUA do Norte. As indústrias britânicas viam as fazendas do sul, movidas à mão de obra escrava, como importantes fornecedoras de algodão barato e de outras matérias primas.
Na cidade de New York, o jornal mais popular, do Partido Republicano, era o The New York Tribune. O correspondente em Londres, da Tribune, era Karl Marx, autor do Manifesto Comunista e líder da Associação Internacional de Trabalhadores. Karl Marx escreveu:
"Os trabalhadores europeus têm certeza de que, assim como a Guerra da Independência Americana iniciou uma nova era de ascensão para a classe média, o mesmo fará a Guerra Americana contra a Escravidão, pelas classes trabalhadoras. Consideram um trunfo da Guerra Americana contra a Escravidão, que tenha cabido a Abraham Lincoln, filho dedicado da classe trabalhadora, conduzir seu país ao longo dessa guerra terrível, até o resgate da raça acorrentada e a reconstrução de um mundo social."[1]
Os jovens que se alistavam no exército dos EUA do Sul cantavam "John Brown's Body" [O cadáver de John Brown],[2] canto dedicado àquele carismático militante antiescravidão, que foi enforcado depois de uma tentativa de levante dos negros em Harper's Ferry. Entre os comandantes do exército que Lincoln usou para derrotar a escravocracia havia muitos comunistas declarados. O general-brigadeiro Joseph Wedemeyer, o secretário-assistente de Guerra Charles A. Dana, o general-brigadeiro August Willich e o coronel Richard Hinton sequer eram nascidos nos EUA, mas sentiram que, em nome de suas convicções comunistas, tinham de alistar-se na batalha contra a escravidão. Foram comandantes militares dos EUA do Sul, durante a batalha contra os EUA do Norte dos proprietários de escravos. E foram também assumidos apoiadores de Karl Marx e das ideias do comunismo.
"Não troque de cavalo no meio da corredeira!"
Lincoln foi atacado por fazer eleições durante a Guerra Civil. Os Estados Unidos do Sul, que estavam sob total controle dos insurgentes da "Confederação", não tiveram eleições, porque seria impossível o governo central responsabilizar-se por eleições em território inimigo. Nas urnas, Lincoln enfrentou dois principais oponentes. Os Democratas concorreram com uma "plataforma pela paz", entendendo que o governo dos EUA deveria render-se aos insurgentes e deixar que a escravidão prosseguisse nos sul. O Partido Radical Democrático concorreu com uma plataforma segundo a qual Lincoln seria 'mole demais', não suficientemente agressivo, e que deveria abolir imediata e completamente a escravidão. Lincoln temia não ser reeleito. Durante a campanha, cunhou seu famoso slogan "Não troque de cavalo no meio da corredeira!", clamando pela unidade nacional para pôr fim à guerra. Contados os votos, Lincoln foi reeleito. Continuou a comandar o país na luta contra os insurgentes e, afinal, venceu-os. A escravidão foi oficialmente abolida, e milhões de negros afro-norte-americanos livraram-se dos grilhões.
O presidente Bashar Assad enfrenta situação semelhante a que Lincoln enfrentou há 150 anos.
A República Árabe Síria enfrenta insurgência armada brutal, financiada por interesses bilionários em Wall Street e Londres, além dos autocratas em Omã, Qatar, Arábia Saudita e Jordânia. Com armas e dinheiro estrangeiro jorrando sobre eles, o chamado "Exército Sírio Livre", a Frente Al-Nusra e outros grupos terroristas armados estão degolando gente, recrutando crianças, sequestrando para receber resgate e cometendo outros horrendos crimes de guerra. Os insurgentes ainda controlam partes do país, e continuam empenhados em abolir a diversidade e a liberdade de religião que definem a Síria ao longo das últimas várias décadas.
Diferente da Guerra Civil nos EUA, a maioria dos insurgentes na Síria não são cidadãos do próprio país, mas mercenários importados. A República Árabe Síria sempre defendeu o povo palestino em sua luta contra os crimes dos colonos sionistas israelenses. A economia Síria é em larga medida controlada pelo Estado, sem que empresas ocidentais tenham conseguido implantar ali a "rédea solta" neoliberal com que tanto sonham, para maximizar seus lucros. O governo sírio garante assistência à saúde e educação universais e gratuitas, para todos os sírios. Na Síria, cristãos, sunitas, xiitas e alawitas sempre viveram lado a lado e em paz. Tudo isso fez da República Árabe Síria alvo escolhido dos imperialistas de Wall Street, que tentam converter a Síria em outra Arábia Saudita, outro Qatar ou Bahrain, onde as ordens do Ocidente podem ser impostas por governo fantoche autocrático.
Na Síria, a 'oposição' move campanha de terror e violência para desestabilizar o país e estraçalhar a República Árabe Síria, para que Wall Street e Londres assumam o controle do país.
Os sírios estão unidos em torno de seu presidente e resistem contra a campanha de terror apoiada de fora da Síria. Além do Exército Sírio, o país também constituiu milícias comunitárias de autodefesa. A Síria se une para derrotar a campanha de violência movida contra ela.
Quando o Comitê Nacional Unido Contra a Guerra e o Centro de Ação Internacional [orig. United National Anti-War Committee e International Action Center] convocaram um protesto diante da Casa Branca, quase mil sírios reuniram-se ali para desfraldar sua bandeira. Muitos cartazes mostravam imagens do presidente al-Assad. Sírio-americanos da Pennsylvania, New Jersey, California e outras partes dos EUA cantaram "Estamos com nosso presidente Bashar Al-Assad".
Assim como Lincoln acertava ao insistir em que se realizassem eleições em 1864, assim também Assad acerta em não abrir mão da próxima eleição presidencial de 3 de junho próximo.
É indispensável que o povo sírio tenha garantido o direito de manifestar-se, apesar da terrível guerra civil em que os sírios foram colhidos.
Nas próximas eleições, Assad enfrentará pelo menos um oponente forte, e é preciso esperar que os votos sejam contados.
Mas, assim como milhões de pessoas nos EUA votaram em Lincoln em 1864, é muito provável que milhões de sírios reelejam o homem que os conduziu durante uma batalha feroz contra terroristas e contra uma campanha de terror sustentada por agentes de fora da Síria.
Pode-se prever que a lógica dos sírios em 2014 será a mesma dos norte-americanos em 1864: a maioria não trocará de cavalo "no meio da corredeira". ****